sexta-feira, 22 de agosto de 2008

HÁ AZAR, FURRIEL?

*
*
*


«HÁ AZAR, FURRIEL?»

Mais um serviço na sede da Humidade. Mandava a (minha) disciplina militar que o serviço fosse maioritariamente passado na cama daquele exíguo gabinete do Oficial de Dia (e quem era o Oficial de Noite?). Para o cumprimento deste disposto legal, tinha eu as botas com um encordoamento especial – que nunca vi em mais botas nenhumas – com as pontas do cordão a subir cada uma pelo seu lado, preso aos ilhós imitando o entrelaçado de um encordoamento normal, havendo cruzamento apenas no primeiro e último ilhós, permitindo assim que calçar as botas fosse pouco mais demorado do que enfiar um par de pantufas. A segurança/confiança do encordoamento era mísera, mas isso para o caso pouco interessa. Ora estava eu muito relaxadamente bem, a dormir no pleno cumprimento das minhas reais funções, quando o odioso e zeloso cumpridor dos estipulados escritos Capitão César me ordenou: «Furriel, vá passar a ronda!». Raios o partam! E lá fui eu dormir para a caserna da Casa da Guarda. Mas, como ainda restava em mim uma réstia de competência nestas matérias de segurança e travesseiros, pelo sim pelo não resolvi primeiro ir dar uma volta pelos sepulcros vigilados. Cheguei ao sinistro parque auto e estranhei que o sentinela não estivesse à vista. Não estava na casota, não estava atrás, e não estava ao lado. Resumindo e concluindo numa só palavra, que são duas: não estava. Eram três da manhã e não estava. Ter-se-ia esquecido? Estaria a jogar cartas na Casa da Guarda? Apavorado com esta ideia… nada disso, qual pavor qual quê, não era nada de estranhar. Ali acontecia de tudo todos os dias. Saio dali disparado em busca da sentinela perdida e, ao passar pela maior das Berliet ouço esta frase cavernosa que ficou colada no meu crânio pelo lado de dentro num post-it amarelo: «Há azar, Furriel?». E lá estava o monstruoso soldado Life Frog envolto num cobertor pulguento, abraçado à sua querida G3, confortavelmente instalado no seu “Atelier de Vigilância La Berliet du Tramagal”. «Não, não há azar, está tudo bem, deixe-se estar, boa noite», e fui então fazer a segunda parte da ronda na Casa da Guarda: «cabo, acorde-me daqui a duas horas, se faz favor». Quando acordei regressei à casota do Oficial de Dia e mandei o outro passear. E foi assim mais uma heróica noite de serviço com aquela agradável sensação do dever comprido.



Campo de Observação: Um soldado que levasse uma participação por ser apanhado em “situação de menos vigilante” já levava uma castanhada considerável. Abandonar o posto e ressonar numa carroça devia dar pelo menos prisão perpétua aí para dois anos (e ter que capinar a Cruz Alta toda sozinho). Por outro lado, Furriel muito pouco vigilante e estático na Casa da Guarda, em hora de ronda e apanhado em flagrante ronco devia dar direito a uma desculpa esfarrapada bem parva, daquelas que não cabe na cabeça de ninguém (mas o Capitão ia acreditar…). Ainda bem que não aconteceu.

*
*
*

Nenhum comentário: