segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Actualização

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Atenção: eu ainda estou vivo!

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Dia 20 ha tacho em Penude!!!

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Dia 20 ha um tacho cheio de feijoada a nossa espera em Penude!!!, na XXXII Confraternizaçao da Associaçao de Operaçoes Especiais.




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terça-feira, 17 de março de 2009

17 de Março de 1987

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Foi em 17 de Março de 1987 que tudo isto começou.
1988, 1989, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009...
É pá, já não tenho dedos que cheguem para fazer contas destas. Isto é complicado...
Pois é, foi há muito tempo, mas ainda me lembro do saco vermelho de rede com os excrementos de ratazana e os panados que o Bugalho me cravou...
Bons tempos!


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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Ó Mar

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Ó MAR!

Ó mar!

Ó mar!

Ó mar, ó mar, ó mar!

Ó mar, ó mar!

Ó mar, ó mar, ó mar!

Ó mar, ó mar, ó mar!

Ó mar, ó mar, ó mar, ó mar, ó mar, ó mar!

Ó mar.

Ó mar, ó mar, ó mar, ó mar!

Ó mar, ó mar, ó mar!

Ó mar, ó mar, ó mar!

Ó mar, ó mar, ó mar!

Ó mar, ó mar, ó mar!

Ó mar!

Ó mar!

Ó mar, ó mar, ó mar!

Ó mar, ó mar!

Ó mar, ó mar, ó mar!

Ó mar, ó mar, ó mar, ó mar, ó mar, ó mar!

Ó mar, ó mar, ó mar!

Ó mar, ó mar, ó mar, ó mar, ó mar, ó mar!

Ó mar, ó mar, ó mar!

Ó mar, ó mar, ó mar, ó mar, ó mar, ó mar!

(…)


Uma das coisas mais interessantes da minha actividade na chamada Acção Psicológica, vulgo praxe (acessórios & derivados), foi a originalidade e diversidade dos métodos e conteúdos empregues. Tenho vindo a relatar algumas das judiarias praticadas aos incautos que se me atravessavam no caminho (assunto que retomarei sempre que me falte inspiração para mais), e quero deixar aqui para quem por aqui pratica arqueologia cultural militar, outras práticas relevantes (ou não), que possam contrastar com as minhas, desde que contribuam para o seu enaltecimento. Esta não aconteceu comigo nem com os que comigo combateram na azáfama diária do quotidiano administrativo do CIRE, mas sim com os infelizes do Turno anterior. Alguém dotado de uma mente perversa, sendo essa dotada de poucos vocábulos, colocou um recruta a ler esta poesia. Não pude aqui reproduzir o texto na íntegra, primeiro para não entrar em conflito com o prestimoso autor, e segundo porque o espaço é escasso e a ideia principal da mensagem já se encontra vastamente transmitida.



Nota: Não aconselho a ninguém a leitura em voz alta deste poema, porque, atendendo à situação conflituosa actual em que vivemos, a mensagem poderia ser facilmente confundida com a de um outro poema – sendo esse da minha autoria – que reza assim:


Omar, Omar, Omar.

Omar.

Omar, Omar, Omar, Omar, Omar.

Omar.

Omar, Omar.

Omar, Omar.

Omar.

Omar, Omar, Omar.

Omar, Omar.

Omar.

Omar, Omar, Omar.

Omar, Omar.

Omar.

Omar, Omar, Omar.

Omar, Omar, Omar, Omar, Omar, Omar, Omar.

Omar, Omar.

Omar.

Omar, Omar, Omar.

Omar, Omar, Omar.

Omar, Omar, Omar.

Omar, Omar, Omar.

Omar Samani Shadjarian, onde estás?


(este poema trás chatices)



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sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

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PURQUÊ?



Hoje ao sair do restaurante (sim, porque um Furra aposentado ganha bem e tem que almoçar condignamente) senti esta chuva miudinha a bater-me na face e ao mesmo tempo soaram-me restos de uma conversa alheia, da qual apenas decifrei um vago “porquê?”. Ora aí estavam os ingredientes necessários para alimentar a máquina do tempo que rapidamente me transportou para 1987, para um dia estranho em que o Grafiteiro se lembrou a mais a sua comandita de começar a dizer “porquê?” sem qualquer motivo que o justificasse. Abeiravam-se de um Instruendo e perguntavam: “Porquê?”, e como se o rapazito não respondesse, logo dois ou três se aproximavam e em coro desorganizado perguntavam: “Porquê?”. Como a brincadeira não surtia grande efeito, começaram a fazer variações sobre o tema dando entoações variadas à palavra, acentuando mais aqui e ali, ou colocando sons como bem lhes aprazia. Purkiêhe?, Prukê?, Punrquiê?. Pareciam um rebanho de cabras desesperadas.
Volvidos que são mais de vinte anos sobre estas tragédias humanas, cabe-me a mim denunciar às autoridades competentes estes verdadeiros genocídios mentais que dizimaram a boa disposição, matando tempo sem piedade.
Os culpados ao cadafalso!


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sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

ORDEM CORNOLÓGICA

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ORDEM CORNOLÓGICA



Hoje há farta de inspiração. Não era para escrever isto mas há vozes reclamantes que dizem que o belogue está abandonado aos cães e que eu não quero saber mais disto. Não é verdade. Eu quero saber mais disto (seja lá o que isso for). Acontece que a vida dá muitas voltas e uma pessoa é apanhada desprevenida e depois não há tempo para nada e só aparece trabalho pela frente e as cervejas ficam a aquecer no bar, e foi mais ou menos o que aconteceu a um pobre Furra caído em desgraça numa qualquer secretaria do CIRE. Corria o tal ano de que muito se fala, e os bicharocos foram enviados para Sta+ para aprenderem o que é o funcionalismo público em todo o seu esplendor. Chamavam a esta fase o Tiro Cínico. O Furra Lata-vazia era um mocinho porreiro e foi logo cair num ninho de víboras onde obrava o Sargento Sinagoga que era bem pior que o raio que o parta. O homem era refinadamente mau e fazia por isso. Não sei quem eram os seus adjuntos, mas o certo é que ao verem ali um pobre eclesiástico inocente, logo trataram de lhe dar que fazer. Mostraram-lhe um armário cheio de Ordens de Serviço caducadas e mandaram-no pô-las a todas por ordem cornológica. Enquanto os micóticos laboravam no frenesi das idas e voltas do bar, o pobre moço fazia o que podia para agradar e para contribuir para com a defesa deste tão nobre país que todos ajudamos a não sei o quê. O certo é que alguns dias depois a vil tarefa estava pronta, e pediram-lhe que constituísse com a papelada uns fardos ergonométricos cintados a corda de sisal e vai daí que tratasse de pôr tudo ao lixo porque não eram necessárias há muito tempo e só estavam ali à espera de uma vítima para as conduzir à sua última morada. O Furra quase que teve um ataque de coiso só de pensar na trabalheira que teve para agora adubar uma qualquer fogueira (sim porque nesse tempo não se reciclava).


Não é que esta história seja interessante, ou que esteja aqui algo escondido entre linhas ou em palavras pares, mas achei que devia aqui figurar como exemplo catedrático daquilo que muito se faz por este país fora (dentro) para justificar postos de trabalho e postos de hierarquia. Trata-se apenas de uma lição de vida e de um testemunho hostil nesta campanha urdida para arrasar a já fraca moral cívica da tão chamada Função Pública (contra a qual não tenho nada e à qual aproveito mais uma vez para agradecer aquelas vinte e quatro patacas no final de cada mês, que em muito contribuíram para a minha actual colecção de cd’s. A todos um grande bem-haja e coisa e tal, mas serviços ao fim-de-semana é que não).




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AS BOTAS DO TENENTE

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AS BOTAS DO TENENTE


O Tenente não era muito fácil de aturar. Primeiro porque tinha a mania de que tinha a mania e depois porque tinha o problema de ser Tenente e de ter nascido Furriel. Mas o Ranger que está no Céu (o tal dito que é único) intercedeu por ele junto de São Pedro e este, no uso de suas chaves, abriu ao Tenente a porta do quarto mais religioso da Messe, deixando-o na companhia de um famoso profeta (que perdeu a cabeça por pouca coisa). Ao que parece esta atribuição de quarto teve direito a uns sussurros de figueira e foi o próprio Judas que ajudou a que o mandassem para lá para o castigar por ele negar a sua natureza de sargento Furriel em favor de oficial Tenente. Chega de religião!

O Tenente estava mesmo com azar. O seu quarto parecia mesmo uma OGFE (Oferta Gratuita de Fardas Esquecidas). O Profeta nunca estava presente mas fazia milagres atrás de milagres porque o seu stock de fardas nunca se esgotava apesar dos sucessivos abastecimentos que os furriéis mais carenciados lá iam fazer. Como ninguém gostava do Profeta, esta acção dinâmica de subtracção permanente de peças de fardamento não era tida como sendo do foro criminal, mas sim como algo muito enaltecedor para os praticantes. Confesso que também visitei o depósito algumas vezes e nunca regressei de mãos a abanar. Não sei se nessa altura os milagres foram divulgados, mas o certo é que as cócegas chegaram ao bucho do Tenente que se deve ter visto também privado de algumas peças, pelo que achou por bem invadir o meu quarto para me ameaçar e insultar de diversas e variadas formas, acusando-me repetidamente de lhe roubar (ui, que palavra tão feia) um miserável par de botas. «Foste tu que me roubaste as botas, que eu sei» - e eu ri-me porque achei piada ao facto de ele poder pensar que eu podia fazer uso das suas botinhas (talvez para fazer um porta-chaves). Para que raios quereria eu um par de botas que não me servia, mais a mais tendo eu nessa altura 5 magníficos pares tamanho 48 (já nessa altura consideradas como sendo armas de destruição macia). Ele não quis saber das minhas alegações e continuou a insistir com aquela frase demoníaca.

* * *


“Senhor Furriel, cadelas as suas botas?

Foste feito rufia, outro Furriel atacar,

Tu fostes de fim-de-semana e deixaste a porta aberta

Lá está o inocente à espera que o vás acusar”


“É que as minhas botas, foram feitas sem emenda

trazidas de Tancos, de casa de um Farda Azul

e saibam meus senhores questão engraxadas e com cordões

já que apenas me custaram cinco testões”


(adaptação livre de um poema épico do “Grupo Musical Os Comerciantes”)


* * *

Confesso que me senti atraído por algumas fardas (mas sem homens dentro) e não nego que até trouxe algumas para casa (para lavar), mas botas? Eu nunca tirei as botas a ninguém! Nunca!, quer-se dizer… o Tenente chateou-me tanto e berrou tanto, andou a meter o nariz em tudo o que eu tinha no quarto e a espreitar dentro do armário e debaixo das camas, que me deixou a pensar: “Essas botas que trazes agora são memo giras”. Aquilo não se fazia a uma pessoa como eu. Bastava ele ter sido educado e pedir-me com bons modos as botas que eu não lhas dava porque não tinha sido eu o subtractor. Não gostei da atitude do Tenente e para se fazer justiça sobre uma sacanice daquelas, só mesmo com uma patifaria ainda maior, o que não foi difícil.

(faltam aqui duas linhas de texto)

Chegado à Arrecadação da Companhia de Comendo no Serviço, perguntei ao soldado Sorridente Rosadinho se queria um par de botas impecáveis - «mas olha que tens que as levar para casa, porque se as usas aqui o dono lixa-te!» - e nunca mais as voltei a ver. O soldado ficou tão contente que até me deu um bornal que não estava no inventário.

Nunca concordei com esta atitude, mas um Tenente tem que compreender que se é Furriel tem que se comportar como tal, e não foi o que aconteceu.

O bornal continua de boa saúde, tendo como alça uma correia de fixar a capota de um qualquer Unimog (que a esta hora está numa qualquer unimorgue…).

Paz à sua arma.




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quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O Capataz

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O Capataz


«Meus senhores, vocês já sabem que quando o mar bate na rocha…» - assim costumava falar o Capataz às tropas na formatura da Companhia de Comendo no Serviço. «Quem se …» - e todos os dias ouvíamos a mesma treta, sempre a realçar a sua posição de comando em relação à subjugação inevitável dos soldados em geral - «É o mexilhão!» - e era! E estávamos nós ali no Degredo, com aqueles verdinhos todos mal alinhados naquele piso irregular que mais parecia uma projecção topográfica dos montes Cárpatos, todos os dias a ouvir falar em mexilhões, certos de que alguns dos presentes nem sequer sabiam o que isso era e muito menos ao que isso sabia, ou até mesmo o significado de tão pomposa frase. O certo é que o Capataz usava e abusava da frase e eu, como sempre fui a favor da criatividade e contra a monotonia, resolvi dar um jeito no assunto. Num belo dia cuja data pouco importa para o assunto, aproveitando uma saída do Capataz para um qualquer lugar no cumprimento de suas elevadas funções (talvez tirar fotocópias), entrei no seu gabinete e enchi a primeira gaveta da secretária com uma grande quantidade de cascas de mexilhão.

Não assisti à abertura da gaveta mas diz quem viu (e ouviu) que o Capataz ficou danado e que disse logo que aquilo era obra do Furriel Cyptus. Não sei como é que ele chegou tão rapidamente a essa conclusão (o seu cérebro não estava capacitado para tão brilhante raciocínio).


Numa outra ocasião, por força do mau ambiente que o Capataz criava nas áreas que eu frequentava, decidi fazer uma pequena alteração estética no seu gabinete. Tinha ele em cima da secretária um pequeno escaparate com o seu nome, precedido do seu nobre posto (esquecido no tempo): “Capitão…”(coiso). Com um golpe de mestria e valendo-me de adereços de bricolage apropriados, alterei o “Capitão” para “Capataz”. Diz quem viu (e ouviu) que o senhor Capitão/Capataz (riscar o que não interessa – ou riscar tudo) não achou piada nenhuma ao sucedido e que mais uma vez afirmou promontóriamente* que aquilo era obra do Furriel Cyptus. Não sei como é que ele chegou a essa conclusão tão acertada. O seu cérebro não estava…(como sempre).



*Promontóriamente é um vocábulo novo criado especificamente para esta narrativa a partir da palavra “Promontório”, que significa Cabo Elevado (que pode muito bem ser um Capitão).



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sábado, 25 de outubro de 2008

O Cyptus era o Mau

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“O bom soldado faz-se a ferro e fogo com um bom maçarico”

– o importante é saber dar-lhe gás




“Boa tarde. O senhor o senhor deu tropa no Degredo?”

“Sim”

“E lembra-se de mim?”

“Não”

“Pois olhe que eu lembro-me bem de si”


Assim começou uma conversa a menos de 100 metros da minha casa (o perigo espreita), na rua, com um ex-combatente do CIRE. A princípio, e pela forma agressiva como me abordou pensei que era algum dissidente da nossa Justa Causa que em tempos idos não tivesse entendido a nossa mensagem revolucionária. Podia também estar-me a confundir com algum outro carrasco. Mas, como eu estava de consciência tranquila, sabia que à priori se me tornasse naquele momento num mártir do CIRE isso seria certamente por lapso. Isto porque não deve haver nenhum Reco com rancor por algo que eu lhe tenha feito, com excepção para uma pequena meia dúzia de morquinhosos que já estão devidamente listados e identificados e que não perdem por esperar…

Contam as más línguas que um certo camarada de um certo turno teve uma recepção pouco amistosa numa gare de comboios, já em tempo de liberdade civil, e parece que não ficou lá em muito bom estado de conservação. Não posso confirmar estes dados porque o assunto é delicado e pode ser que estes comentários despertem uma violenta onda de raiva que ajude a desmistificar a ocorrência. Assim está bem.


A conversa continuou e o civil ajudou-me a desenterrar do passado mais uma daquelas memórias que há muito tempo tinham caído no esquecimento.


Havia no CIRE um costume muito bárbaro. Os soldados tinham por hábito matar os membros das suas famílias de forma compulsiva e repetida. Um tio chegava a morrer quatro vezes sem nunca ter chegado a nascer. Os avós também iam facilmente na razia. As sextas-feiras eram pródigas em funerais de familiares e amigos. Naquela altura morria-se muito (peste bulbónica, difteria e tosse com bússola) , e várias vezes cada um, caso isso fosse favorável ao militar enlutado (peçonhento).

Também se adoecia com relativa facilidade, mas o facto de se ter os olhos tintos de fumo e o nariz a escorrer massa consistente não comovia ninguém. A tosse do tabaco também não ajudava. Os loucos não tinham direito a baixa psiquiátrica e tal como os outros, curavam as suas maleitas no esforço diário desmedido de trabalho sem fim à vista, enquanto os amigos de Satanás se refastelavam em casa a ler Os Lusíadas (sim que nessa altura os Gouchas ainda não tinham sido inventados). Assim sendo, a doença era para aguentar: costas ao alto, boa cara, mecânico de dia, bate a pala e espirra pró lado (que os escarros só saem depois das cinco).


O nosso herói de hoje estava doente - visivelmente doente - mas isso eram perrices de jovem inconsequente para faltar às responsabilidades (tão generosamente remuneradas). Como não o internaram nem o retiraram da escala de serviço, ali estava ele, na chaleira branca do Parkauto (a mais isolada de todas), a tremer, enrolado num cobertor, fugindo como podia do vento gelado da noite e da chuva atrevida que acaba sempre por entrar por onde menos se espera. Eu estava de Sangrento de Dia e sabia da situação. Manda a Lei do Escuteiro que eu tenho que praticar pelo menos uma boa acção por dia e estava na hora. Era tarde mas o bar ainda estava aberto. Pedi um leite chocolatado muito quente e fui levá-lo ao sentinela. O rapaz não se esqueceu daquele momento singular.

Não fiquem a pensar com isto que eu era algum bom samaritano, ou que estou aqui a fazer propaganda para a eleição da minha Junta de (bois) Freguesia. Eu nunca fui um benemérito dos soldados. Na verdade eu era muito mau (já o disse antes e com razões fundadas) e estava sempre a massacrar os incautos com as minhas criações artísticas nos domínios da Acção Psicológica (não era bem isso mas era o que lhe chamávamos e soava bem).


Uma vez cheguei a Sta+ com um maço de folhas de papel lisas amarelas num formato não normalizado um pouco menor que o A5. Como eram finas não davam grande jeito para o que quer que fosse. Talvez a sopa estivesse estragada ou talvez tivessem posto folhas de eucalipto nalgum depósito de uma Berliet, mas o certo é que fiquei logo ins-pirado para um comportamento criativo. Comecei a distribuir as folhas pelos prontos dando a indicação: “Preencha e devolva”. Alguns ficavam a olhar para a folha em poses estupidificantes, outros perguntavam: “Preencher o quê?” – e eu dizia – “Não leu a Ordem de Serviço?”. O certo é que me consegui livrar do excesso celulósico em pouco tempo. Algumas horas depois recebio a censura ao acto de forma uniforme por parte do QP estacionado no Bar (onde mais podia ser?): «O que é que você anda a dar aos homens? Você não pode fazer isso!». «Ah não? – e o que é que está escrito para que não o possa fazer?» - não sabe / não responde: 98%. Em ultima instância poderiam acusar-me de ‘actividade panfletária mas nesse caso teriam que castigar os inocentes que tivessem escrito alguma coisa nas folhas. Na verdade, não era nada comigo. Eles que os aturassem, que era para isso que eram pagos (e bem pagos).


Mas claro que eu era mauzinho. Estava-me no sangue e como era grosso não me saía pelas feridas. Um Furra nunca pode ser uma boa pessoa, senão perde o estatuto.


Entre os muitos apetrechos que transportava comigo no meu dia-a-dia e noite-a-noite, figurava uma pecinha verde com dois longos pernos metálicos que aguçava a curiosidade dos recrutas e também dos prontos. Naquele tempo o povo era ignorante, se fosse agora, a coisa não pegava (penso eu). A peça era aquilo a que nós os peritos chamamos um “condensador de frigorífico”. Eu carregava aquilo numa qualquer tomada de 220 volts e depois descarregava-o na curiosidade alheia. Isto não se faz! Os moços ficavam curiosos que nem os gatos, já sabiam que de mim não vinha coisa boa, mas mesmo assim arriscavam e pegavam naquilo. Uma coisa tão pequena só podia ser inofensiva. Eu virava os pernos para o lado deles e ZÁS! – uma descarga eléctrica urticante que se sentia até a meio do antebraço. Eu sei que era assim porque resolvi experimentar para ver qual era a sensação (sim, eu era um valente!). Eu era mau mas os recos não eram melhores do que eu, porque depois de caírem na esparrela ficava calados para ver o que acontecia aos outros. O Mundo é uma coisa muito cruel.


Num dia civil (ah, como é doce a liberdade!) gravei o áudio de um programa televisivo cómico brasileiro (sim que nesse tempo o vídeo ainda só existia no Espaço 1999), e no meio das habituais “bobagens” sobressaía-se uma frase de conjuntos desconexos de letras que desde muito logo me chamou a atenção. Rapidamente decorei a fórmula (não seria de esperar outra coisa) porque achei que me poderia vir a ser útil num futuro próximo (ou não). O certo é que foi. Mal sabia eu que a Nação me mandaria dar instrução ao 4º Pelotão de Escriturários – não sei que raios de especialidade isso é mas parece-me ser algo de perigoso e muito mortífero. O tempo passa e ali estavam eles, os desgraçados, formados com o olhar no infinito e a inteligência no zero (ou um pouco mais abaixo). «Tenho aqui uma frase que têm que saber dizer de cor. Se quiserem podem apontar». Alguns ainda foram lestos o suficiente para a decorar, pois compreenderam o significado místico da coisa. Menos mal. Afinal sempre serviu para alguma coisa decorar isto: “Verdum comades biapexe e anzíftel mangeste dispância”.


Na Bíblia Negra do CIRE, o 4º Pelotão era o Pelotão dos Cristos. Todos os dias alguém era crucificado. O Aspirante tinha a mania que era bom, mas não era mau rapaz. O Furra tinha a mania que era mau e saiu-se um bom traste. Os recrutas, esses eram todos uns desgraçados, e aspiravam a uma lesão grave que os afastasse daquele martírio permanente.

Alguém ousou atrever-se a escrever num papel: “O Furriel é o senhor Coiroceiro”, e o farrapo veio parar-me à mão. Entendia o artista que eu me baldava na preparação física (e tinha toda a razão). O Aspirina corria muito, especialmente nas subidas, e eu ficava no fim da fila a empurrar os toneladas e a sofrer o “efeito acordeão” que gera com a recuperação dos atrasados. Acontece que numa bela segunda-feira o senhor Aspirina não apareceu (ainda hoje não sei porquê, mas a verdade é que eu não me metia em mexericos e intrigas de oficiais, por muito oficiais que as verdades fossem) e fiquei então completamente sozinho a dar instrução. «Meus senhores, aqui diz “duas horas de corrida em contínuo”». Aquilo parecia o arco-íris: todos sorriram maliciosamente. Então pensei: “o senhor Coiroceiro já vos vai mostrar como é”. E então levei os meninos a passear, correndo sobre os perfumados alcatrões rodoviários da região, dando-lhes a conhecer as paisagens exuberantes de Penude e Arneirós, quelhos e mais quelhos e duas horas depois estavam exaustos e em bem pior estado que eu. Então perguntei: «E então? Quem é agora o senhor Coiroceiro?». Ninguém respondeu. Sem o acordeão a banda tocou muito melhor. Estavam verdes. Foi fixe.


Da outra vez que me vi sem o senhor Aspirina (o Homem-que-tem-no-nome-o-que-não-teve-na-tropa), resolvi inventar um bocado. Os recos andavam um bocado à solta de mais e a abusar da minha boa vontade. Estava na hora de lhes aplicar uma Efe-zero-dê-quatro. Como eu era um habitual pilha-maçãs num pomar ali perto de Sta+ e o acesso ao local era íngreme, estreito, escondido e manhoso, achei que era um bom sítio para uma corridinha até ao topo com cada um a carregar com outro às carrachuchas. E lá foram eles, coitados. A coisa começou por correr bem e eles também corriam bem. Estavam a ser massacrados satisfatoriamente e pareciam umas aranhas bêbadas, pelo que já ninguém sabia muito bem o que estava ali a fazer. Os cérebros já não estavam a reagir. Foi então que o Bigodes começou a ficar muito branco e, ai ai, caiu para trás e desmaiou. Levou logo ali meia dúzia de chapadas bem assentes (e eu era bom nisso) e recuperou logo os sentidos, com uma promessa de maçã descascada (e eu também era bom nisso). O Bigodes foi o crucificado do dia. Já tinha a sua conta. Nos dias seguintes os ânimos abrandaram um bocado (como era de esperar) e ficaram a perceber que se se portassem bem podiam ficar a correr na pista sem terem que desmaiar e fazer figurinhas tristes. As maçãs, essas acabavam por aparecer de qualquer maneira…


«Ó Cyptus, tu a escrever estas baboseiras deves pensar que foste um grande herói» (fala a consciência epistemológica aqui do Danger)


O Cyptus era o Mau. O Mau por excelência e o maior desestabilizador da moral militar (modéstia aparte). Raramente recorria à força (até porque isso cansa) mas fazia-se valer dos seus super poderes de Furriel para levar os recos à loucura. A maçaricada do QP (incautos) também acabou por pagar cara a factura de não o terem enviado para a Reserva Territorial ou para a Reserva de Incorporação – actualmente estas duas expressões não fazem qualquer sentido, mas na altura eram coisas muito importantes e valiosas.




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Código Morsa

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Código Morsa


Se no UltraBar se cometeram atrocidades vergonhosas, também nós fizemos algumas, só que à nossa maneira, na nossa escala e à medida que o nosso tempo permitia aqui na Metrópole. Não enterramos ninguém com a cabeça de fora; quando enterrávamos, a cabeça também ficava dentro. Acontece que as pessoas envolvidas nas nossas atrocidades ainda estão vivas (mas pode ser que seja por pouco tempo) e assim sendo, torna-se proibitivo contar essas histórias porque mesmo com a omissão dos nomes torna-se muito fácil descobrir quem é quem. É mais prático ir às reuniões clandestinas das RE, porque lá tudo se esclarece, ainda que alguns mistérios só se resolvam com longas conversas que se arrastam ao longo de dez anos ou mais. Há um caso particularmente interessante que ao longo destes vinte anos ainda não foi devidamente esclarecido. E é precisamente sobre esse assunto que eu hoje não vou escrever. Toda a gente sabe muito bem do que se trata (e no fim foi a arrependida que lixou tudo…).

Outra forma segura de contar estas histórias manhosas é encriptar as palavras de forma a que só os peritos entendam o conteúdo da mensagem. Há uma história mais ou menos interessante de transferências de materiais que não pode aqui ser contada nem de forma subliminar. No entanto, novas técnicas introduzidas com o avanço das tecnologias digitais permitem agora ao público em geral o acesso a essa informação classificada. Vou hoje aqui e em primeira mão fazer uso dessa técnica para assim poder contar uma sucessão de factos sem causar danos aos intervenientes na acção. Apesar de terem passado vinte anos, é sempre bom tomar as devidas precauções.

Na altura em que resolvi contar as manhas todas à maçaricada como forma de penalizar gravemente o QP opressor que me estava a desprezar por se aproximar o fim do meu tempo (e sabe-se lá por que outros motivos), levei a furrielada de duas toneladas (2T) a um certo sítio para fazermos uma pilhagem generalizada.

Activar filtro digital

Havia na M de S uma porta que dava acesso à M V. Do outro lado havia um conjunto de S entre as quais uma com B a secar, uma com um M de um C e outra com diverso M da G. O M de C era demasiado pesado para levar dentro do saco e se calhar ia estorvar na minha casa e ainda acabaria por largar óleo na carpete e a minha mãe ia ficar toda chateada (e com razão) e por isso ficou lá, porque chatices já eu tinha que chegasse na minha vida “profissional” e não precisava de arranjar mais problemas para me coçar. As B deduzo que as fomos comendo de forma legal e correcta, a menos que as que andávamos a comer fossem outras; pouco importa. Quanto ao M da G foi o descalabro total. Acho que não ficou lá nada de nada. Só o caixote de papelão. O material foi dividido pacificamente entre todos os elementos do GAC (Grupo de Acção Cultural) e eu também trouxe a minha parte, embora já lá tivesse estado antes e já me tivesse abarbatado do que me interessava.

Desactivar filtro digital

Deduzimos que este local fosse um posto intermédio de obnubilação de materiais diversos, que não fazendo falta na origem e decorrido um certo tempo, passariam para a posse do obnubilador. O azar dele foi a curiosidade de um Furra irrequieto e curioso que não tendo nada para fazer se dedicava à descoberta de novas oportunidades de terrorismo generalizado.

Era assim que passávamos o tempo. E passava-mo-lo bem. Por lá passamos, o tempo passou e nós éramos uns passados. E agora, passados vinte anos, o passado não volta, mas nós voltamos lá e continuamos a recordar o que por lá passamos. E tu? Como tens passado? Tens passado? Conta-nos como foi, a ver se foi muito diferente do nosso (e morre de inveja…)



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sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A mais bela Participação

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CENTRO DE INSTRUÇÃO DE RAÇÕES ESPECIAIS


COMPANHIA DE COMENDO NO SERVIÇO


Exmo. Sr.

Para os devidos efeitos, participo a V. Ex.ª que hoje pelas 16h00, na minha qualidade de Adjunto da Sectrans da Humidade e à solicitação do Sargento-Mór, ordenei ao Soldado Car nº Mec. 00000087 – 1º T/87 – R M S Briteiros, depois de ter dado conhecimento ao sr. Oficial de Dia e o ter autorizado, para com a viatura auto Militar Unimog MX-00-00, transportar o lixo dos contentores da Cozinha do Rancho Geral do Quartel de Sta+, para o local apropriado de despejo no exterior do Quartel, o recusou peremptoriamente a fazê-lo, dizendo “NÃO VOU, NÃO VOU E NÃO VOU” e “PODE PARTICIPAR DE MIM SE QUISER”, “MAS NÃO VOU”. Só depois de muito instado e com a interferência do Senhor Mandante da Companhia de Comendo no Serviço, a que pertence, é que acabou por cumprir a ordem dada por mim e bastante contrariado, decorridos que foram cerca de quinze minutos.

Não apresento testemunhas, por na ocasião e em frente às oficinas auto, junto ao tanque da água, onde lhe havia dado a ordem, não se encontrarem quaisquer pessoas que tivessem presenciado a ocorrência.

Quartel no Degredo, 10 de Fevereiro de 1988


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O Briteiros era um condutor muito fixe. Sempre bem disposto e pronto para a brincadeira, era a melhor companhia para uma tarde de tédio na Sectrans. Convivi com ele muito tempo sem que se verificasse qualquer situação que merecesse qualquer tipo de reprimenda. A Participação que transcrevi (com algumas pequenas alterações que me garantam a liberdade de imprensa) é agora, 20 anos depois, um exemplo fiel de até onde pode ir a estupidez humana. É certo que a minha autoridade foi abalada e a tarefa tinha que ser feita. Só havia 22 condutores e estavam sempre todos muito ocupados. Ter um disponível para fazer esta chachada era uma sorte. Se não fosse a intervenção do Mandante da Companhia que me mandou fazer a participação, eu teria resolvido o assunto à minha maneira, o que dava muito menos trabalho.


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Um dia mandei um condutor fazer um biscate daqueles mais habituais e ele respondeu-me. «Isso que você tem em cima dos ombros não vale nada. Você é como eu e por isso não manda em mim e eu não vou». Realmente aquelas rodelas felpudas eram até bastante baratas, mas davam um certo sainete à farda de caçador e representavam uma autoridade no comando de certas funções que nunca soube muito bem ao certo o que eram, mas fazia por isso e a coisa resultava. O soldado virou-me as costas, eu levantei-me, coloquei as minhas mãos nos ombros dele, empurrei-o até à porta de saída da Sectrans e metendo-lhe as chaves pela camisa pelas costas abaixo, disse-lhe: «A diferença entre o que eu tenho em cima dos ombros e o que você não tem é que eu posso fazer-lhe isto a si e você não pode fazer o mesmo a mim»; dito isto o pobre rapaz experimentou o poderoso impacto do calibre 48 com um portentoso pontapé no c* que o atirou ao chão de forma altamente convincente. E pronto, o moço foi obedientemente cumprir a sua missão e nunca mais voltou a questionar a minha autoridade.


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Guardo boas recordações do Briteiros, especialmente as do dia 25 de Abril de 1988 em que o “requisitamos” para nos levar a Penude e lá tiramos uma sequencia de fotos malucas recorrendo àquelas peças de museu que todos sabemos quais são.

Recordo que o feriado calhou numa 5ª feira mas a ponte não foi autorizada pelas altas chefias e então o Capataz valeu-se de uma história manhosa de uma sanita que apareceu partida e que como o hediondo criminoso que a fracturou não se acusou, a Companhia foi toda castigada perdendo o direito à referida ponte. Os graduados fizeram de conta que ficaram muito chateados e trataram de gozar o dia da melhor forma possível.


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Em 1992 encontrei o Briteiros no Porto, na Rua de Santo Ildefonso. Eu estava a sair do trabalho e ele abordou-me com uma conversa muito estranha com muitas referencias a uns “eles”, porque as coisas lhe estavam a correr mal e que “eles” o andavam a vigiar e que lhe tinham posto escutas no telefone, e que o seguiam, e que a vida lhe estava a ficar muito difícil e que “eles” não o deixavam em paz, etc. A princípio eu até estava a gostar da conversa. Pensei que era mais uma brincadeira de “Acção Psicológica”, e o tipo até estava a representar bem. Só alguns minutos depois é que me apercebi que a coisa não era bem assim, quando ele me agarrou o braço e me disse que eu também era um “deles”. Aí eu lembrei-me da minha famosa e única Participação. Foi um bocado difícil ver-me livre do rapaz e tive que literalmente fugir a correr para me ver longe de tão grande explosão de raiva.

Mais tarde o Furriel Viriato contou-me que o encontrou e que ele lhe veio com uma conversa meio esquisita, que não estava muito longe da que teve comigo. Nunca mais soube nada dele.



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segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Elvis no Matagal dos Remédios

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Elvis no Matagal dos Remédios



Confesso que em 88 eu já andava um bocado suturado com aquela vida de mElitar. Além disso era preciso inovar todos os dias e manter o nível, e a criatividade ameaçava falhar a qualquer momento. Mas ainda não foi desta que passamos à estagnação. Estava eu parasitariamente muito sossegadinho no meu cantinho da Messargen quando apareceu o meu companheiro de quarto, o Furriel Joca, com ideias de ir dar uma volta para espairecer. Eram praí nove da noite e não havia nada para fazer. Como sabíamos que a Companhia de Obstrução estava a ter Instrução Soturna sugeri que fossemos dar uma volta pelo Matagal dos Remédios para apreciar a coisa. Arrancamos dali com a nossa farda de caçador e, não sei o que é que me passou pela cabeça nesse momento, mas achei por bem levar um rádio portátil – coisas da vida que ninguém sabe explicar. Chegados ao Matagal constatamos que aquilo era um verdadeiro filme da guerra do Vietname, só com uma diferença: era de noite e não estávamos a ver as coisas com um daqueles malditos filtros azuis que os americanos põem nas câmaras sempre que filmam de dia para enganar as pessoas e parecer que é de noite. Estava muito escuro. Donde a onde havia uma pequena clareira de luz. Havia seis pelotões de recos dispersos pela encosta do monte acima, em progressões nocturnas mais ou menos abandalhadas (quatro olhos por pelotão não chegam para fazer a devida vigilância), ouvindo-se vindo não se sabe de onde os sons peculiares de recos a “encher”, uns a rir, outros a berrar, misturas de sussurros e galhos a estalar, e nós os dois ali no meio daquela guerra a fazer de conta que éramos observadores da ONU, prontos a tirar conclusões e elações. Aproximamo-nos de uma das progressões e, para espanto de todos, tchan tchan tchan! – rádio no máximo – Elvis is rocking! – e dois Furras a dançar rock’n’roll espalhafatosamente, no meio de nada. Tão depressa aparecíamos como desaparecíamos e mudávamos de lugar, e passávamos a incomodar outra progressão. E assim passamos uma noite divertida, a escancarar de espanto as bocas dos recos que nunca pensaram ver tal coisa no seu humilde, pacato e singelo Vietname particular.



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domingo, 21 de setembro de 2008

EXERCÍCIO DE ACTIVIDADE MENTAL


EXERCÍCIO DE ACTIVIDADE MENTAL

Já propus um interessante jogo mental de “descubra as diferenças”. Agora é um desafio muito mais elaborado que parte da imagem acima, a qual encerra o nome da entidade empregadora de um dos nossos camaradas de armas. Para que não queimem os fusíveis fica aqui também uma expressão indirectamente relacionada: “descanso semanal”, a ver se ajuda (ou não). De que se trata? (se eras um bom larápio facilmente descobrirás).



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MARCA REGISTADA




MARCA REGISTADA



Distracções era coisa que não faltava na Humidade. Havia sempre que fazer. E não fazer nada também dava muito trabalho. No que toca a trabalho calma aí, que os assuntos eram de esmerada responsabilidade e como tinham que ser devidamente ponderados podiam muito bem esperar. Urgências só no hospital (e só no de Viseu, porque o nosso não tinha especialistas para braços partidos). Por tudo isso e muito mais, sobrava tempo mais do que suficiente para o resto em geral. O leque era diversificado e as tentações eram grandes. Se a ousadia sobejava podia-se ir até à Messargen tirar uma soneca. Se a ousadia pudesse sair cara ficava-se pela Enfermaria, onde se dormia com direito a guarda privativa: socorristas, pacientes e os faz-de-conta. À 5ª, a feira constituía um forte atractivo, sobretudo para lançar olhares furtivos sobre decotes anónimos. Às vezes corria mal e dávamos de caras com quem menos queríamos ver. Era um bocado estranha aquela sensação de ser repreendido pelos baldas por sermos menos baldas, ali mesmo em frente às bancas das calças de ganga McRotaivo ou das meias “da serra”. Mas o que vale é que éramos todos amigos (às vezes). A “Tasca dos Passarinhos”, à entrada dos Remédios para quem fugia pelo lado do cemitério, era também um pólo cultural apetitoso, muito embora a proximidade a Sta+ fosse um factor de elevado risco a ter em conta. Confesso que nunca lá entrei. Eu era mais de me desenfiar pela rua dos burros abaixo e de ir para a loja das fotografias que havia ali na Rua do Feriado. Um dia, estando o Capataz ausente, decidi ir à tal loja mas ao sair da Sectrans fui apanhado em flagrante delírio pelo 1º Sarjola Urtigoso: «E onde é que o senhor pensa que vai?» (seguido de palavrão com dois “erres”). E lá fiquei eu mais uns minutos com a minha fiel secretária a pensar na forma de sair daquele buraco. Plim! Peguei no telefone e liguei à Má Companhia e disse: «Ó meu Alferes, as suas fotos já estão prontas mas aqui o nosso 1º não me deixa sair». Passei o telefone ao dito 1º e, claro está, saí em debandada. Mais um passeiozito inocente de balda concertada, em favor da classe operária e com o consentimento da hierarquia no pleno exercíco das suas funções (chama-se a isto “trabalhar”).

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Os estratagemas não eram fáceis para todos. Dependia um bocado de quantos eram e onde fosse, quem mandava e se realmente mandava. Havia um camarada que nem de desculpa precisava. Arranjou este um elaborado esquema justificativo que o fez sair da escala de serviços, deixando-o mais disponível para trabalhar (em casa). A maior balda de que há memória foi cometida pelo Júnior que chegou ao Degredo numa 3ª feira e saiu para fim-de-semana logo na 5ª seguinte e não apareceu na Humidade. O importante era ser visto na cidade. A cidade era como que um prolongamento da nossa Grande Casa. Era o jardim. Tínhamos três hospícios, duas clínicas de reabilitação e um sanatório ali numa rua que subia para o almoço e que ninguém sabia muito bem ao certo para que servia (dava abrigo a uns gaijos pacatos). O que ficava no meio era caminho de servidão (e o resto era campo de escravidão). Bastava passear à noite pelas ruas tranquilas e sorrir num café e pronto: o ponto estava picado – “Ele está cá”, “Eu sei porque o vi”, “Onde?” – não interessa – “Se precisarmos dele perguntamos aos outros”. E assim se distribuíam as tarefas e os serviços pelos milicianos e pelos encaixilhados: uns trabalhavam pelos outros que se baldavam e baldavam-se todos em geral e a coisa corria bem, tal como um mecanismo de relógio infestado de caroços de azeitona.

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Outra distracção muito apreciada era a “praxe”, que era uma coisa que nunca existiu. A respeito deste assunto, um dia o BMW invocou o seguinte oráculo sagrado: «Acaba-se a praxe e começa o terror». Eu tinha jeito para esse tipo de lides tauromáquicas mas por azar não pude comprar nenhum louvor e por isso não pude meter o chico. Mas enquanto lá estive sempre dei os meus melhores.

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Ora estava eu muito bem desocupado a chegar à Companhia de Obstrução, quando deparo com um reco minúsculo à porta da Arrecadação a olhar para ontem.
Furriel Cyptus – «O que é que está aqui a fazer?»
Reco – «Estou à espera de um camarada que entrou na Arrecadação, meu Furriel»
Furriel Cyptus – «Pois muito bem. Assim sendo, se alguém lhe perguntar quem você é, o senhor responde “eu sou um piço!”, entendeu?»
Reco – «Sim meu Furriel»
De seguida entrei na Companhia e disse ao Furriel Joca para sair perguntar ao reco quem ele era.
Furriel Joca – «Quem é você?»
Reco – «Soldado recruta …» (nome, número mecanográfico, etc.)
Furriel Cyptus – «O que é que eu lhe disse? Você responde “eu sou um piço!”»
Reco – «Sim, meu Furriel»
Então entrei novamente na Companhia e pedi ao Furriel Bacia para sair e perguntar ao reco quem ele era.
Furriel Bacia – «Quem é você?»
Reco – «Soldado recruta …» (nome, número mecanográfico, etc.)
Furriel Cyptus – «Outra vez? O que foi que eu lhe disse?»
Reco – «Sim, meu Furriel»
Furriel Bacia – «Vê lá se arranjas uma coisa melhor que esta não teve piada nenhuma»
Como a coisa correu mal resolvi desistir desta cruzada e ir pregar para outras paragens. Ao sair da Companhia vi o BMW a dirigir-se para o seu covil e para não ser visto (uma vez que eu não era daquelas bandas) tive que me refugiar num pequeno balneário que existia mesmo em frente. Ao ver ali um reco isolado perguntou:
BMW – «O que é que você está aqui a fazer?»
E em altos brados recebe a seguinte resposta:
Reco – «EU SOU UM PIÇO!!!»
O Capitão olha em redor e, não vendo o criminoso, diz em voz alta:
BMW - «Furriel Cyptus, isto é obra sua. Veja lá o que é que arranja!»



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A FOME É NEGRA E AS COXINHAS SÃO AMARELAS




A FOME É NEGRA
E AS COXINHAS SÃO AMARELAS


Saindo da Sectrans em gancho à direita, disparado pelo Parkauto em direcção à ranhura de saída, era com incrível precisão que o Furriel Cyptus acertava em rota de colisão com o soldado que regressava do Gabi do Ofidi, com a travessa onde o Prisioneiro de Dia provava e aprovava a ementa. Era costume da casa que o dito tal provasse a sopa e revolvesse o entulho a ver se a textura da coisa batia certa com os cânones alimentares padrão da época e do local. Ficava-se o homem pela mirada certeira (e despreocupada) e o soldado regressava à toca do Vago-Mestre para dar a Boa Nova: o almoço podia ser servido. Nos entrementes, a trajectória do soldado era interceptada pelo poderoso Bota 48 que, tal como um feixe de energia, atravessava a terrina e fazia a sua pequena inspecção privativa. O pãozinho era aberto e o ingrediente animal era rapidamente camuflado neste e introduzido no espaço vago da cremalheira trituradora do militar faminto. O Furriel Cyptus tinha particular vocação sacerdotal para as coxinhas amarelas de frango morto, que devorava num ápice. Depois deste estranho ritual seguia pela falésia do Degredo abaixo e pela escarpa acima até à Messargen e continuava o repasto, ocasionalmente intervalado por vinte paus de meio Favaios fresco. A seguir vinha o descalabro que já se sabe.

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Houve um almoço particularmente inesquecível (como muitos outros tantos) em que o morfaggio era constituído por carapaus grelhados com acompanhamento diverso. Eram daqueles bixanos de 25 a 30 centímetros de envergadura, assim com pinta de ratos do mar e com os olhos esbugalhados a fugir pelas órbitas (eles não deviam gostar mesmo nada do calor), e como o Povo Unido não era muito dado a barbatanas (a menos que fossem de sereia), o material sobrou em todas as travessas. Nunca me esquecerei daqueles momentos gloriosos: cheguei tarde e tive que ficar na mesa junto à janela sul; fiquei junto ao Furriel Fazart. Ele devorou 14 chicharros podres da pareja e eu 17! A fome era negra!



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T.I.C.’s (Tiques) [Tickets]




T.I.C.’s (Tiques) [Tickets]




O Tiques era um chato! Já era eu civil e ele ao ver-me (ao verme) disse: «Pegue lá na sua viola e vá tocar para a sua…», nem ouvi o resto da cantilena e pus-me ao fresco (he was a tuff guy). Se ele era assim com um Cybil, pior com um mElitar. Homem cruel, este Tiques. Recordo-me como se fosse hoje: lá estava eu todo verdinho às manchas, no claustro de Stª+, preparado para entrar de serviço à Coruja Alta. Era o Tiques (a fera) que passava revista às tropas e, ao passar por mim fez uma cara de desagrado, apontou para o meu crachá “pirata” (caveira e tíbias brancas em fundo preto) e disse: «Você não pode ter isto aqui», ao que respondi: «Eu sei» - e ali ficou. Ali ficou, e sempre esteve até ao fim do cativeiro. Ainda o tenho (e o casaco de manchas também). O Tiques era mesmo bera. Acho que aprendeu a ser assim com o Capataz, que também era um mau. Pior que todos eles, só eu (pior que todos eles juntos!).


Eu era tão mau, tão mau, tão mau, que fugia da Sectrans e metia-me nos quartos dos Furras a fazer judiarias. Um dia fui a um quarto do primeiro andar e saquei o casaco da nº2 a um desgraçado (ausente). Tirei o 2º botão e dei-me ao excelso e profícuo trabalho de o voltar a coser, só que um centímetro abaixo. Alguns dias depois foi um deleite ver o criatura todo atrapalhado com o Tiques a dizer-lhe (no seu jeito peculiar): «Ó homem, arranje isso». E o pobre Furra, ser perceber o que lhe tinha acontecido, desabotoava o casaco e voltava a abotoar de uma e outra forma e ficava cada vez mais torto. O Tiques era mesmo mau, mas eu era ainda muito mais mau pior do que até mais ele.



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UMA CARTA ESQUECIDA NO TEMPO

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