domingo, 3 de agosto de 2008

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A 11 Km/hora!

À revelia dos regulamentos de então (e da inteligência da pessoa humana), os Furras do 1º de 87 criaram espontaneamente, um concurso original para dar um bocado de cor à ignóbil tarefa do policiamento à Estação da Régua. Um cournil ferrugento, um condutor, um Furra lixado por ficar com o fim-de-semana estragado e três soldados (seriam quatro? – sei lá). Tínhamos que esperar (leia-se: gelar) pela saída do primeiro comboio de sábado, que acho que era às 06:30h, saíamos em direcção a Lamego e chegávamos às 07:00h à Humidade – esta era a modalidade dos meninos bem comportados. Mas isso era muito cinzento, monótono e sem verter adrenalina nos vasos capilares da estufa da nossa indignação. Por isso, num grande esforço por fazer algo de criativo, e porque não dizer, útil à sociedade, saíamos antes por volta das 05:45h (e que se lixasse o raio do comboio) e fazíamos os 12 quilómetros até Lamego pela estrada das curvas, com o carroço sempre em primeira solta, à velocidade mínima. E tuc-tuc-tuc, lá íamos nós numa vertiginosa velocidade contra os regulamentos, pelo alcatrão acima, a caminho do pequeno-almoço. Isto era altamente perigoso porque o condutor podia adormecer, ou se houvesse molho na Estação com os de Vila Real, a coisa podia ficar realmente feia. Acho que o recorde dos 12 Km em primeira foi de uma das minhas equipas, com uns gloriosos 65 minutos: que grande emoção!

Esta treta da Polícia da Humidade à Tasca da Régua foi sempre um conceito abstracto muito pouco bem ou mal esclarecido. Pretendia a Humidade policiar a Estação, de forma a evitar problemas entre militares das humidades de Lamego e Vila Real, ou energúmenos oriundos de outras chancelarias que se pudessem envolver em acaloradas discussões ou mesmo demonstrações de virilidade mecânica agressiva, entre si, com outros, ou de qualquer outra forma. Em primeiro lugar devo dizer que ninguém estava preparado para gerir um conflito dessa ordem. Não tínhamos equipamento nem efectivo para realizar cabalmente essa tarefa. Meia dúzia de gatos pingados cheios de sono a deambular pela estação, não metiam medo nem às velhotas que vendiam rebuçados à porta, quanto mais aos magalas facínoras sedentos de dar e receber porrada em nome de eventuais rivalidades relacionadas com especialidades militares (como a jardineira de Mafra ou a feijoada à transmontana). A verdade é que durante o nosso reinado isso nunca aconteceu. Por vários motivos. Primeiro porque os de Vila Real não eram visíveis (eram seres minúsculos, desfardados e como tal irreconhecíveis, que viajavam incógnitos em comboios fantasma - daqueles dos parques de diversões e das romarias). Em segundo lugar, porque não havia motivo nenhum para se pegarem à porrada uns com os outros, e se o fizessem por desporto, o problema era deles e nós não queríamos misturas com gente dessa. Em terceiro lugar porque as forças da ordem tinham por hábito esconderem-se nas ruas manhosas da Régua e por lá ficavam a dormitar. Em quarto lugar, não podemos esquecer que a uns 500 metros da estação havia uma padaria que fazia as delícias daqueles pobres combatentes gelados. Em quinto lugar, porque havia um condutor que era daquelas bandas e quando estava de serviço a esta porra, levava o pessoal no jipe para casa dele, e passavam o tempo a fazer de polícia à adega e a fiscalizar os enchidos. Em sexto lugar, porque nós é que mandávamos e nós é que impúnhamos as regras.

Convém lembrar que alguém levantou uma vez a questão de Vila Real fazer também o policiamento às plataformas. Outro alguém (um letrado qualquer do QP) disse que o serviço era alternado. Alternado como se somos sempre nós? É à vez, um ano cada humidade. Humidade precisava ele lá em casa! – a verdade é que esta trenguice só nos tocava a nós e andamos por lá a perder o nosso rico tempinho e a inventar concursos que nos podiam valer uma porrada jeitosa – e tudo por culpa do Mandante que aceitou que os seus homens vergassem a servis em tão pouco nobre vil tarefa. Paz à sua alma.

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